sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Até quando o Brasil vai formar doutores a baixo custo?

Artigo de Marcelo Ribeiro Pereira e Sustanis Horn Kunz enviado ao “JC e-mail”Marcelo Ribeiro Pereira, biólogo pela UFOP, é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Entomologia da UFV; Sustanis Horn Kunz, bióloga pela Unemat, mestre em Ciência Florestal pela UFV, é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal da UFV. Não é novidade para a comunidade científica a situação de bolsas curtas e dificuldades financeiras enfrentadas pelos pós-graduandos deste país. Atualmente os valores de bolsas pagos pelo CNPq e Capes são proporcionalmente muito inferiores aos praticados há 12 anos atrás. 8.474 bolsas de mestrado e 7.811 de doutorado. Essa foi a previsão do numero de bolsistas do CNPq em 2006, segundo dados do relatório de gestão 2003-2006 do Ministério de C&T.Já a Capes, manteve em 2006, 10.868 bolsistas de Doutorado e 15.646 de mestrado, como mostram os dados do balanço da educação 2006 (Capes/MEC). Nos últimos anos, tanto o CNPq quanto a Capes têm se empenhado em aumentar o número de bolsistas, mas só aumentar a oferta de bolsas não é o suficiente, é preciso pagar bem. Atualmente os valores de bolsas pagos pelo CNPq e Capes são proporcionalmente muito inferiores aos praticados há 12 anos atrás. Foram nove anos sem reajustes até o ano de 2004 quando o atual Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, ofereceu um reajuste de 18%, que embora muito longe do valor defasado, representou uma conquista para a academia. A forma mais clara de se observar o pouco investimento na qualidade da formação dos pós-graduandos é atentar para o retrospecto da proporção entre os valores dasbolsas de mestrado, doutorado e o salário mínimo desde a criação do plano real. Vale também lembrar que esta defasagem se deve em muito à política de C&T praticada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que no ano de 1995 levou à extinção do sistema que vinculava o valor das bolsas (CNPq e Capes) aos salários percebidos pelos docentes de instituições federais.Em fevereiro de 1995 o valor do salário mínimo era de R$ 70,00 e as bolsas de mestrado e doutorado R$ 724,52 e R$ 1.072,89, respectivamente. Assim, um mestrando ganhava aproximadamente 10 salários mínimos e um doutorando 15 salários ao mês. Atualmente essa proporção está bem menor, pois a bolsa de mestrado equivale proporcionalmente a 2.47 salários mínimos e a de doutorado a 3.66 salários, proporções bem inferiores às de 1995. Mas então surge a questão: de quanto deveria ser o reajuste para corrigir essa defasagem? Desde 1995 vêm se acumulando valores elevados de inflação que não foram repassados em forma de reajuste para as bolsas. Se analisarmos o período entre fevereiro de 1995 e junho de 2007, já são 158,2% de inflação medida pelo IPC-A, dos quais 18% foram repassados em abril de 2004 e 10% em abril de 2006, restando ainda um déficit de 130,2% que se fosse repassado elevaria o valor das bolsas de mestrado e doutorado para R$ 2.163,9 e R$3.208,9, respectivamente.Uma das possibilidades de minimizar esta defasagem seria a aprovação do projeto de lei nº 2315 de 2003, apresentado na Câmara Federal, em 16 de outubro de2003 pelo deputado federal Jorge Bittar (PT/RJ). O projeto propõe algumas mudanças, como: a criação de uma proporção mínima para os valores das bolsas de Pós-Graduação e graduação (Iniciação científica – IC)em relação aos salários dos docentes e até o direito à licença maternidade. Ao longo destes 3 anos de trâmite na Câmara dos Deputados, o projeto já recebeu pareceres favoráveis da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão de C&T, passou por um arquivamento de quase 3 meses, no início deste ano, e agora se encontra na Comissão de Finanças e Tributação.Conseqüências desta desvalorização das bolsas de Pós-Graduação É inquestionável o fato de que essa falta de parâmetros claros e fixos para o reajuste das bolsas de Pós-Graduação acarretou uma enorme defasagem em seus valores. Essa defasagem por sua vez, leva a uma elitização do corpo acadêmico nacional, pois muitas vezes impossibilita o “sonho” da Pós-Graduação a profissionais recém formados que acabam por entrar no mercado de trabalho, tendo em vista que dependem de uma renda mensal digna para se manter. O curto orçamento mensal obriga, muitas vezes, os pós-graduandos a se privarem de atividades fundamentais para uma formação científica de qualidade, como curso de idiomas, participação em congressos ligados à sua linha de pesquisa e compra de livros. Uma outra dificuldade enfrentada é a de aquisição de um computador; embora nos últimos anos tenha ocorrido uma redução considerável nos valores de produtos ligados à informática, a aquisição de uma máquina ainda é um problema, pois muitos se vêem obrigados a se submeterem aos financiamentos bancários para adquirir este instrumento de trabalho que é de suma importância, principalmente quando na fase de redação da dissertação de mestrado ou da tese de doutorado.Outro aspecto negativo do baixo investimento na Pós-Graduação é o abandono do país, praticado por pesquisadores (“fuga de cérebros”) que buscam melhores condições de trabalho e salário; muitos acabam encontrando em instituições estrangeiras o merecido reconhecimento salarial e social que por vezes não é visto no Brasil. Estabelecendo-se assim no exterior, onde produzem conhecimento cientifico e em alguns casos até importantes patentes para os países que os acolheram, diminuindo ainda mais as possibilidades de o Brasil se tornar um exportador de tecnologia e referência científica para o mundo.Em janeiro deste ano, foi amplamente divulgada a conquista da tão esperada meta de formar 10 mil doutores e 40 mil mestres por ano, mas será que estes pesquisadores puderam aprender tudo a que se propunham quando ingressaram na Pós-Graduação? Tiveram condições financeiras de arcar com participação em congressos? Ou mesmo adquirir livros importantes para sua formação? A conclusão é somente uma: formar pesquisadores é essencial para o país, mas também é preciso investir não só em quantidade, mas também em qualidade.

Nenhum comentário: